18 novembro, 2019

Até sempre, querida Argentina!

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É com profundo pesar que o Museu do Fado recebe a notícia da morte da nossa querida Argentina Santos, fadista a quem dedicou, em 2010, a exposição "Não sei se Canto se Rezo". O velório será hoje, a partir das 17h, na Basílica da Estrela. Amanhã, às 15h, há missa de corpo presente. O funeral é reservado à família.

 

"Dona de um canto de feição popular, o fado de Argentina Santos tem a força de um pregão e a contenção de uma prece. Nele se combinam autenticidade humana e artística, em perfeita simbiose. Destemido, o fado de Argentina Santos não conhece subterfúgios ou cedências. Basta-lhe ser autêntico. De pálpebras cerradas e mãos suplicantes, a sua voz conta-nos o fado de uma “viva vivida”. E também por isso é único e irrepetível. Exacto e nítido. Cantando os poemas que chamou a si, o seu fado espelha também o seu passado. Não fortuitamente. Neste seu canto feito prece, o tema favorito é, invariavelmente, 'o mais triste'. Mas das agruras passadas não lhe sobram mágoas. Tão só o lúcido reconhecimento de que, em muitos dos poemas cantados, se espelha a sua própria vida", lê-se no catálogo desta exposição.

 

Recusando durante décadas qualquer exposição mediática, Argentina Santos confinou grande parte do seu percurso artístico ao espaço Parreirinha de Alfama, que abriu com o seu companheiro em 1950. Ao fazê-lo, fez também da sua casa uma autêntica oficina de fados, cenário de afectos e palco da cumplicidade criativa de poetas, músicos e fadistas. Pela Parreirinha de Alfama passaram as vozes de Lucília do Carmo, Berta Cardoso, Celeste Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Maria da Fé, Fernanda Maria, Mariana Silva, Natércia da Conceição, Natalina Bizarro, Helena Tavares, Leonor Santos, Beatriz da Conceição, Flora Pereira, Júlio Peres entre muitas outras.

“A mim ninguém me diz nada. Nem a maneira de cantar. Eu nunca canto igual, nem repertório nem nada. Eu estou muito acostumada a mandar em mim, gosto muito de mandar em mim, de maneira que aquilo que gosto é aquilo que canto, é aquilo que sinto.”

Argentina Santos, de nome completo Maria Argentina Pinto dos Santos, nasceu na Mouraria, em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1924. Filha mais nova de 3 irmãos, iniciou a instrução primária que não terminou devido à necessidade de trabalhar. Já em idade adulta, frequentou aulas para aprender a ler e escrever. Mulher corajosa e de muito trabalho dedicou-se à cozinha deste espaço onde se juntavam muitos fadistas para petiscar e cantar e, a pouco e pouco, criaram o ambiente do restaurante que ainda hoje se mantém. Para além do seu "cantinho", durante muitos anos apenas aceitou, pontualmente, alguns convites que lhe foram dirigidos para cantar em algumas festas de amigos ou pequenas comemorações.

Argentina Santos não pensava em cantar, conforme conta em entrevista a Baptista-Bastos. Quis o acaso que um dia alguém da assistência lhe pedisse para cantar, e assim "entrou numa desgarrada" por brincadeira. Atrás desse pedido outros vieram e o que começou por um mero acaso, acabou por tornar-se um "caso sério" na sua vida: para além de proprietária e cozinheira, passou a cantar para os seus clientes sempre que estes lho pediam e, “valha a verdade”, nunca mais deixaram de o fazer.

O seu primeiro álbum - "Chafariz d'El Rei" - é editado em 1978 mas o grande público do seu país apenas a conhece quando, pela mão do seu grande amigo e admirador Carlos do Carmo, é vista na televisão, nos concertos por ele realizados no Coliseu dos Recreios (1994) e no Centro Cultural de Belém (1998).

Em 1994, pela mão de Ricardo Pais, encenador do espectáculo “Raízes e Paixões”, começou a pisar outros palcos, como o do Teatro Nacional S. João, no Porto, Queen Elizabeth Hall, em Londres, ou o da Cité de la Musique, em Paris. Também com Ricardo Pais, participa no espectáculo “Cabelo Branco é Saudade”, em 2005. Internacionalmente, Argentina Santos cantou no Brasil (S. Luís do Maranhão, 1995, a convite de Pedro Caldeira Cabral; S. Paulo, 1999, na Casa de Portugal, com Carlos do Carmo), na Grécia, França, Holanda, Reino Unido, Espanha e Itália, onde foi tornada patrona da Academia do Fado em Racanati, e foi homenageada em Ascona.

Recebeu, em 2005, o Prémio Amália Carreira e, no mesmo ano, a sua Parreirinha de Alfama foi distinguida com o troféu para Casas de Fado/Casa da Imprensa entregue na Grande Noite do Fado de Lisboa. Em 2010 foi homenageada no Teatro São Luiz com a Medalha de Ouro da cidade de Lisboa.

Em 2013, Argentina Santos foi condecorada pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com a comenda da Ordem do Infante.