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Maria Vitória

(N. 13 março, 1888 - M. 30 abril, 1915)

Filha de pais espanhóis e nascida em Espanha, Maria Vitória de "espanhola" não conservava nada. Antes pelo contrário, foi ao Fado, essa canção tão portuguesa que Maria Vitória se entregou por completo, alcançando o maior êxito na sua tão curta vida. Morreu tuberculosa em 1915. Tinha 27 anos incompletos.

Avelino de Sousa recordava-a:

"Cantatriz por excelência, o Povo elegeu-a rainha do Fado, desse Fado que fala a alma do Povo e que ela cantava tão bem.
(...)
“E assim numa noite - quando seguia viagem para o Porto onde ia deliciar o público do Norte com os fados lindos do "31" - uma chuva húmida e fria penetrou-lhe as carnes viçosas infiltrando-se-lhe no organismo débil, tomando-lhe os pulmões, lançando lá o gérmen da tísica, dessa maldita tísica que jurara tragá-la, amarfanhá-la, possuí-la só para si, num egoísmo feroz que para sempre no la roubou a 30 de Abril de 1915. Tinha 27 anos apenas." (cf. Avelino de Sousa in Guitarra de Portugal de 30 de Novembro de 1927)

Em 1946, Avelino de Sousa voltava a lembrá-la, traçando-lhe a biografia:

"Maria Vitória era espanhola de origem, nascida na cidade de Málaga em 13 de Março de 1888, vindo para Lisboa muito pequenina, acompanhada pela mãe. Foi educada numa casa religiosa e, como era muito inteligente, aprendeu muito no convento, sendo pena que o seu espírito irrequieto a levasse a fugir de lá, não tendo por esse motivo completado a sua educação.

Era morena, de olhos negros, muito simpática, mas entrou cedo na Vida, não sabendo aproveitar o grande amor que por ela sentia um belo rapaz, filho dum velho amigo nosso que felizmente ainda vive e teve desgosto com essa ligação do filho querido, motivo porque não se publica o nome do pobre rapaz que a adorava apaixonadamente.

Diz um biógrafo da infeliz e simpática Maria Vitória que: «o fundo religioso da sua educação, um certo misticismo próprio da sua maneira de ser, combinados com a sua sentimentalidade e sensualidade, deram o Fado».

Começou então a aparecer nas feiras, nas pandegas, nas noitadas, na estúrdia, rendida e embriagada pela vibração dulcíssima da guitarra, cantando o fado que ela adorava e que a celebrizou, adquirindo, além da popularidade e dos frenéticos aplausos que o público lhe dispensava - especialmente as senhoras, que por ela tinham uma extraordinária simpatia - os germes da tísica que a matou na flor da mocidade, no vigor da vida.

Um dia apareceu a cantar o Fado na taberna Flor da Boémia, na Travessa da Espera nº 11, em pleno coração do Bairro Alto, de que era dono um tal Joaquim Rato, um dos seus amores. E depois, durante a sua curta vida, formou-se à sua volta uma ronda de galãs, rapazes da época, mais ou menos boémios e estúrdios como aliás é próprio da mocidade, e essa ronda amorosa, tal como as sentinelas, diligenciava render-se no quartel do seu coração, todos apaixonados pela graciosa morena de olhos negros, sonhadores, cheios de misticismo e de uma sentimentalidade sensual que quase a tornavam bonita, à força de tornar-se simpática.

Ansiava, porém, por entrar para o teatro. Ao contrário do que alguns biógrafos afirmam, ela não se estreou como actriz no Salão Fantástico, à Rua Jardim do Regedor, mas sim no Casino de Santos, onde o crítico do Jornal Polichinelo afirma tê-la visto estrear em 1908.

Esteve depois no Salão Fantástico e na Rua do Condes, à porta do qual, por uma questão de ciúmes, se atirou à pancada a uma outra actriz, também especializada no Fado, se bem que não fosse fadista como ela, nem alcançasse o nome a que podemos chamar glorioso que ela alcançou no Teatro, posto que não chegasse a ser uma grande actriz. Era, todavia, artista, e conseguiu guindar-se no conceito do público, que é juíz supremo.

Luís Galhardo, notável homem de teatro, foi quem melhor a aproveitou, principalmente na revista "O 31", no Teatro Avenida, onde desempenhou os papéis de Estúrdia, Fado do 31, o Guines do célebre dueto Arco de Santo André, Alzira Fadista, etc.

O poeta e escritor teatral Pereira Coelho - Coronel José Maria Pereira Coelho (um dos autores da revista O 31 e de outras peças, e actual secretário geral do DN) escreveu para ela, entre outras, esta quadra cheia de sentimento que ela cantava divinamente:

"P'ra se cantar bem o Fado
não é preciso talento.
- É preciso ser chorado
P'ró cantar com sentimento!"

Com o seu feitio irrequieto, a simpática actriz só estava bem aonde não estava, e um dia, muito atacada pela tuberculose, recolhe ao Sanatório do Caramulo, de onde também fugiu, voltando ainda ao Teatro.

Até que no dia 30 de Abril de 1915, com 27 anos de idade, a infeliz rapariga tombou nas garras da maldita doença, falecendo na sua casa na Rua Neves Piedade, nº 1 RC.

Pobre avesita gentil ! ... Esteve 7 anos no teatro, mas esse curto espaço de tempo chegou para que grangeasse um nome que ainda perdura, não só na memória daqueles ... mas do teatrinho que tem o seu nome no Parque Mayer.

O poeta Júlio Guimarães recorda-a ainda hoje saudosamente porque, tendo morada no mesmo prédio onde ela também morava, à Rua das Pretas, ia muito a casa dela, quando tinha apenas 12 anos de idade. Maria Vitória brincava muito com ele e um dia ofereceu-lhe um cigarro. Foi o primeiro que o Júlio Guimarães fumou, e o caso é que até agora ainda não perdeu o vício.

Maria Vitória foi enterrada no cemitério de Benfica e, a certa altura, o tal rapaz, seu primeiro amor, que nunca a pudera esquecer, foi comovidamente tratar da trasladação para as catacumbas. Quando exumavam o cadáver, só aparecia um dos brincos de oiro. Levantaram-se suspeitas sobre o pessoal, visto que o cadáver ficara ali toda a noite. O brinco apareceu embaraçado na grande massa dos negros cabelos da pobre Maria Vitória. (…)

E o rapaz, seu grande apaixonado, veio a falecer também tísico." (cf. Avelino de Sousa e Júlio Guimarães in Guitarra de Portugal, 1 de Outubro de 1946)

 

Fontes:

“A Guitarra de Portugal”, 30 Novembro de 1927
“A Guitarra de Portugal”, 01 de Outubro de 1946

 

Fascículo | Volume Colecção Completa de Fados e Canções, Maria Victoria, s/d

Fascículo | Volume Colecção Completa de Fados e Canções, Maria Victoria, s/d