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Júlia Florista

(M. 10 junho, 1925)

Júlia de Oliveira nasceu em Lisboa, no Hospital de S. José, em 1883, filha de José de Matos e Maria José Oliveira, naturais de Celavisa, no concelho de Arganil. Desempenhou desde criança a profissão de vendedora de flores, de onde lhe veio o nome e, segundo as descrições foi possuidora de dotes vocais tais que foi celebrizada em scintilantes crónicas de D. João da Câmara, Júlio Mardel de Arriaga, Dr. Júlio Dantas, Paulo Barreto, Malheiro Dias, etc., que nela sintetisaram um tipo popular lisboeta (Guitarra de Portugal, 10 de Dezembro de 1926).

Júlia Florista é sem dúvida uma das figuras mais popularizadas e idealizadas na história do fado, transportada desde o início do século até aos nossos dias por uma imagem de cariz bairrista e boémio, cuja tipificação foi registada posteriormente neste fado de autoria de Joaquim Pimentel:

A Júlia Florista
Boémia e fadista
- Diz a tradição –
Foi nesta Lisboa
Figura de proa
Da nossa canção.

 

Figura bizarra
Que ao som da guitarra
O fado viveu
Vendia flores,
Mas os seus amores
Jamais os vendeu.

 

Ó Júlia Florista
Tua linda história
O tempo marcou
Na nossa memória;

 

Ó Júlia Florista,
Tua voz ecoa
Nas noites bairristas,
Boémias, fadistas
Da nossa Lisboa.
(...)

Um dos locais onde a cantadeira de Lisboa, a cigarra do Ribatejo (Guitarra de Portugal, 30 de Junho de 1925) se deslocava muitas vezes era à Praça de Touros do Campo Pequeno, para vender as suas flores e era aí naturalmente que mantinha contacto com os grandes nomes da aristocracia portuguesa. De tal forma era esse o seu espaço que, em homenagem póstuma, em Dezembro de 1937, se diz que não havia espera de touros ou toirada em que a Júlia não aparecesse com o seu açafate repleto de flores que muitas das vezes eram com entusiasmo atiradas para o redondel das praças a premiar o garbo dos artistas e a nobreza das feras (Guitarra de Portugal, Dezembro de 1937, Número Fac-Simile). Júlia Florista actuou como fadista espontânea, não remunerada, pelas ruas, em tabernas e também em casas aristocráticas e quando D. Caetano de Bragança, (...), organizou uma festa no antigo Casino de Paris, para recordar a figura de Severa, foi a Júlia a cantadora escolhida para interpretar o vulto clássico da cigarra fadista, utilizando até a guitarra que pertencera à musa célebre da Rua do Capelão (segundo o texto de João Fernandes esta guitarra da Severa estaria na posse de D. Caetano de Bragança, Guitarra de Portugal, 30 de Junho de 1925. Mais tarde, em artigo de José Luiz Ribeiro no mesmo jornal, datado de 10 de Dezembro de 1926, rectifica-se esta informação, afirmando-se que a guitarra não seria da Severa). Esta festa realizou-se a 21 de Novembro de 1907.

Apesar de nas suas interpretações se acompanhar a si mesma à guitarra, os fados que interpretava não eram da sua autoria, sendo referidos como temas do seu repertório o Fado da Paixão, o Corridinho, de Manuel Serrano, ou o Fado dos Passarinhos (Guitarra de Portugal, 30 de Junho de 1925). Apesar de ser sempre considerada como fadista amadora, Júlia Florista inclui-se no restrito número de intérpretes que tiveram acesso à gravação discográfica logo nas primeiras décadas do século, conhecendo-se-lhe dois discos de 78 rpm da etiqueta Odeon, com as faixas Fado Paixão, Fado dos Cantadores, Fado dos Pintassilgos e O Velho Fado da Mouraria.

Júlia Florista faleceu com apenas 42 anos a 10 de Junho de 1925, vítima de ataque cardíaco, e, apesar de figura emblemática da canção nacional, apenas doze pessoas acompanharam o seu funeral no cemitério do Alto de S. João no dia seguinte (Guitarra de Portugal, 30 de Junho de 1925). Será mais tarde efusivamente lembrada, em particular durante o Estado Novo, quando o fado apresenta como traço dominante do repertório, (...) um regresso – implicitamente encorajado pela própria estratégia da Censura – aos temas do passado. A imagem mítica de Júlia Florista irá juntar-se, neste âmbito, às da Severa e da Cesária (Nery: 193). Exemplo desta fórmula é a referida homenagem póstuma, a realizar no salão Mondego no dia 6 de Dezembro de 1937, às trez grandes e saudosas figuras do fado Hilário, Júlia Florista e António Ginguinha (Guitarra de Portugal, Dezembro de 1937, Número Fac-Simile). Nesta ocasião anuncia-se ainda o descerramento de 3 lápides alusivas aos fadistas no salão Mondego, sendo a de Júlia Florista descerrada pela fadista Maria do Carmo.

 

Fonte:

Excertos do texto do catálogo Fado 1910 (2010), Lisboa: EGEAC/Museu do Fado;

Nery, Rui Vieira (2004), Para uma História do Fado, Lisboa: Público/Corda Seca;

Sucena, Eduardo (1992), Lisboa, o Fado e os Fadistas, Lisboa: Veja;

“A Comarca de Arganil”, nº536, 6 de Julho de 1911;

Guitarra de Portugal, 30 de Junho de 1925;

Guitarra de Portugal, 10 de Dezembro de 1926;

Guitarra de Portugal, Dezembro de 1937, Número Fac-Simile.

Júlia Florista